Crise econômica ou de paradigma?
As grades são para trazer proteção, mas também
trazem uma dúvida:
será que você não está numa prisão?
(adaptado de Marcelo Yuka)
Esta semana, a empresa de
Telecomunicações Oi anunciou a demissão de 2.000 funcionários. Em 2015 já haviam
sido demitidos outros 1.000. Segundo divulgado, a dívida bruta da empresa é de
R$ 54 bilhões.
O número de demissões ainda
não é oficial, mas a empresa declarou em nota que "com o intuito de manter níveis de rentabilidade e produtividade
para fazer frente ao cenário macroeconômico atual, a Oi está realizando uma
readequação de sua estrutura administrativa".
Embora cite apenas o quadro econômico atual do país, é certo que a empresa já percebeu também as dificuldades inerentes à sua atividade. Em 2015, a nota explicativa para as demissões dizia que a decisão considerava o cenário macroeconômico do país e os “desafios do próprio setor de telecomunicações”.
O setor de
telecomunicações, assim como todos os outros, está sofrendo os impactos de duas
crises: a econômica e a de mudança de paradigma produtivo. Isso, no entanto,
não quer dizer que elas já tenham reconhecido e estejam enfrentando as duas.
O paradigma produtivo mudou
quando mais da metade do mundo, em termos de população, e muito mais que isso
em termos de produção econômica, adotou a Internet como plataforma de processos
e a www como principal (quase único) protocolo de conexão nessa plataforma.
Isto, parece que as
empresas tradicionais ainda não entenderam. Todas as ações de sobrevivência
vistas nos setores mais ameaçados estão associadas a problemas econômicos e
financeiros, que são reais, mas que, mesmo sanados, não salvarão a empresa.
Demissões, cortes de custos, ajustes de preços, negociação de tarifas e
impostos, tudo isso fica situado na esfera do paradigma produtivo anterior, se
não vem associado à percepção de que a Internet e o protocolo www mudaram
radicalmente a natureza e os valores dos produtos e serviços, os processos, a
governança, a precificação, a percepção de risco, enfim, os modelos de negócio.
O WhatsApp ameaça a Oi
assim como o Uber ameaça os taxis. O AirBnb ameaça a hotelaria assim como o iTunes ameaçou a indústria
fonográfica. Isso para não falar das possibilidades do blockchain ameaçando todos os produtos e serviços que funcionam
basicamente a partir da confiança como os do setor bancário, o sistema
cartorial, etc.
A situação da Oi é apenas
um exemplo de algo que está acontecendo em diversas empresas em diversos
setores. As dificuldades são facilmente percebidas. Com um pouco de esforço se
pode fazer até um bom diagnóstico do problema, mas a solução não é nada fácil.
Uma empresa pode até reconhecer a mudança de paradigma e gerenciar corretamente
seus ativos e stakeholders internos, mas ainda faz parte de um sistema complexo
que atua e atuará por muito tempo no paradigma produtivo pré-internet, onde
regulação e fiscalização acontecem de modo altamente centralizado, gerando uma
falsa sensação de segurança. A ironia é que essa regulação e fiscalização, que
pretensamente protege os negócios, não impede o surgimento de negócios
disruptivos. Tomando emprestada a poesia de Marcelo Yuka, as grades são para trazer proteção, mas também trazem uma dúvida: será que você não está numa prisão? Negócios em rede e desintermediados não
precisam nem são afetados pelas regras do paradigma anterior. Nadam de braçada
em um oceano azul, onde as empresas tradicionais não se atrevem.
Estamos lutando contra problemas
financeiros causados pela crise econômica. Está em breve passará, mas os
problemas financeiros continuarão se não enfrentarmos a outra crise.
Migrar empresas do século
XX para o século XXI é extremamente difícil. Não existem certezas sobre os
resultados dessas empreitadas, mas o certo é que, lutar contra a disrupção
causada pelo mundo digital definitivamente não é uma alternativa. Cuidado: quando
um novo paradigma liberta, o anterior aprisiona.
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