quarta-feira, 11 de maio de 2016

Crise econômica ou de paradigma?

Crise econômica ou de paradigma?


As grades são para trazer proteção, mas também trazem uma dúvida:
será que você não está numa prisão?
(adaptado de Marcelo Yuka)

Esta semana, a empresa de Telecomunicações Oi anunciou a demissão de 2.000 funcionários. Em 2015 já haviam sido demitidos outros 1.000. Segundo divulgado, a dívida bruta da empresa é de R$ 54 bilhões.

O número de demissões ainda não é oficial, mas a empresa declarou em nota que "com o intuito de manter níveis de rentabilidade e produtividade para fazer frente ao cenário macroeconômico atual, a Oi está realizando uma readequação de sua estrutura administrativa".

Embora cite apenas o quadro econômico atual do país, é certo que a empresa já percebeu também as dificuldades inerentes à sua atividade. Em 2015, a nota explicativa para as demissões dizia que a decisão considerava o cenário macroeconômico do país e os “desafios do próprio setor de telecomunicações”.

O setor de telecomunicações, assim como todos os outros, está sofrendo os impactos de duas crises: a econômica e a de mudança de paradigma produtivo. Isso, no entanto, não quer dizer que elas já tenham reconhecido e estejam enfrentando as duas.

O paradigma produtivo mudou quando mais da metade do mundo, em termos de população, e muito mais que isso em termos de produção econômica, adotou a Internet como plataforma de processos e a www como principal (quase único) protocolo de conexão nessa plataforma.

Isto, parece que as empresas tradicionais ainda não entenderam. Todas as ações de sobrevivência vistas nos setores mais ameaçados estão associadas a problemas econômicos e financeiros, que são reais, mas que, mesmo sanados, não salvarão a empresa. Demissões, cortes de custos, ajustes de preços, negociação de tarifas e impostos, tudo isso fica situado na esfera do paradigma produtivo anterior, se não vem associado à percepção de que a Internet e o protocolo www mudaram radicalmente a natureza e os valores dos produtos e serviços, os processos, a governança, a precificação, a percepção de risco, enfim, os modelos de negócio.

O WhatsApp ameaça a Oi assim como o Uber ameaça os taxis. O AirBnb ameaça a hotelaria assim como o iTunes ameaçou a indústria fonográfica. Isso para não falar das possibilidades do blockchain ameaçando todos os produtos e serviços que funcionam basicamente a partir da confiança como os do setor bancário, o sistema cartorial, etc.

A situação da Oi é apenas um exemplo de algo que está acontecendo em diversas empresas em diversos setores. As dificuldades são facilmente percebidas. Com um pouco de esforço se pode fazer até um bom diagnóstico do problema, mas a solução não é nada fácil. Uma empresa pode até reconhecer a mudança de paradigma e gerenciar corretamente seus ativos e stakeholders internos, mas ainda faz parte de um sistema complexo que atua e atuará por muito tempo no paradigma produtivo pré-internet, onde regulação e fiscalização acontecem de modo altamente centralizado, gerando uma falsa sensação de segurança. A ironia é que essa regulação e fiscalização, que pretensamente protege os negócios, não impede o surgimento de negócios disruptivos. Tomando emprestada a poesia de Marcelo Yuka, as grades são para trazer proteção, mas também trazem uma dúvida: será que você não está numa prisão? Negócios em rede e desintermediados não precisam nem são afetados pelas regras do paradigma anterior. Nadam de braçada em um oceano azul, onde as empresas tradicionais não se atrevem.

Estamos lutando contra problemas financeiros causados pela crise econômica. Está em breve passará, mas os problemas financeiros continuarão se não enfrentarmos a outra crise.

Migrar empresas do século XX para o século XXI é extremamente difícil. Não existem certezas sobre os resultados dessas empreitadas, mas o certo é que, lutar contra a disrupção causada pelo mundo digital definitivamente não é uma alternativa. Cuidado: quando um novo paradigma liberta, o anterior aprisiona.



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