terça-feira, 24 de setembro de 2013

Ninguem pediu sua opinião

Ninguem pediu sua opinião

(e outras frases que não fazem sentido na internet)





A melhor definição que já ouvi da sociedade na qual vivemos é: “somos a sociedade de 7 bilhões de pessoas com problemas complexos" (Carlos Nepomuceno). Gosto dela porque não é uma definição.  É uma constatação de fatos, portanto será sempre dinâmica. Pode-se acrescentar outros fatos e a definição vai se adequando à sua lógica. 

Então eu vou acrescentar a internet e a minha definição fica assim:  somos muitos, somos humanos, temos desafios complexos e temos a internet. 

Se a primeira vista isso lhe pareceu uma fotografia e não uma definição dinâmica, leia de novo. E, no momento da segunda leitura, muitos já serão representados por outro número, o humano já evoluiu, aqueles desafios complexos  estão sob controle e outros já se impõem. E a internet? A internet já nasceu inapreensivel.

Pode comemorar. Você está vivendo o exato momento de uma crise sem precedentes! Crise, porque é um ponto onde não há retorno, quando já não é possível voltar e usar fórmulas de antes. E sem precedentes porque nas crises anteriores, ao perceber que não havia retorno, levava-se um tempo até encontrar a porta de saída. Isso porque existia A porta de saída e ela tinha que ser encontrada.

A crise que vivemos agora vem sem portas. Você imaginou-se emparedado? Fique tranquilo porque não há paredes, portanto não precisamos procurar as portas! As saídas já estão aí e são infinitos caminhos abertos. Alguns já viram. Outros estão inevitavelmente trilhando por eles, mas ainda não se deram conta.

Volto agora à internet porque ela representa esses caminhos abertos. E isso não é supervalorização da tecnologia em detrimento do humano. Ao contrário. A capacidade generativa e a inércia (do conceito da física) das realizações são características humanas. A internet apenas eleva a humanidade a uma potência infinita.

Para caracterizar esse momento destaco algumas coisas que ninguém previu (caráter generativo) e que ninguém mais pode impedir (inércia). A lista é de fenômenos suscitados pela internet, mas pode chamar de frases que não fazem sentido na internet.

Ninguém pediu sua opinião. Ninguém pediu mesmo. Mas estamos todos na rede, principalmente nas chamadas redes sociais, dizendo o que pensamos a respeito de tudo. E antes que isso fosse julgado como bom ou ruim, já se tornou essencial. A necessidade e a habilidade humana em comunicar individualmente opiniões foi potencializada pela internet e lá encontrou utilidades nunca antes imaginadas. Isso ninguém previu e ninguém mais pode impedir. Veja o que aconteceu, por exemplo, o conceito de opinião pública. Não é por acaso que hoje muita coisa que aparece na midia tradicional como sendo senso comum é imediatamente contestado nas redes sociais. Como também não é por acaso que institutos de pesquisa estão revendo seus métodos e suas funções (aqui vale a pena conhecer os movimentos recentes do IBOPE, o maior instituto brasileiro de pesquisa de opinião pública).

Isso não é problema meu. A rigor, em problemas complexos, isso nunca é verdade. Mas vamos considerar que algumas pessoas podem estar tão longe da origem e dos impactos do problema, que parece mesmo que o problema não lhes diz respeito. Isso pode significar o não envolvimento dessas pessoas na busca de soluções. No entanto, o que temos visto é que os maiores encontradores de soluções para problemas complexos que existem hoje são redes colaborativas baseadas na internet. Se isso já não fosse suficiente para merecer destaque, cabe o complemento: grande parte das pessoas que se oferecem para colaborar não é afetada diretamente pelo problema. A disposição em colaborar não foi inaugurada pela internet, mas foi potencializada por ela. Não resta dúvida de que a internet tem as ferramentas certas para convocação de colaboradores e para coleta e armazenagem das colaborações. Hoje indivíduos (agrupados) são capazes de fazer o que antes apenas governos e grupos poderosos faziam. Isso ninguém previu e nínguém mais pode impedir.

Não esperava isso de você. E não era de se esperar mesmo. Se você não é especialista no assunto provavelmente, não poderá ajudar. O mais incrível é que as redes colaborativas citadas acima têm se surpreendido com a quantidade de excelentes soluções propostas por pessoas que não têm nenhuma (é importante repetir e grifar, nenhuma!) especialização no assunto em questão. A convocação na rede deveria romper fronteiras geograficas e superar barreiras de comunicação, mas foram também destruídas barreiras étnicas, etárias, culturais e de competências. Isso ninguém previu e ninguém mais pode impedir. A imediata consequencia disso é uma grande afluência de idéias criativas, exatamente porque vêm de onde menos se espera. Pessoas inadvertidas encontram soluções simplesmente por ignorar as restrições. Além disso, o olhar estrangeiro do não iniciado também agrega um valor inovador, coisa que muitas vezes é invisível aos olhos adestrados do especialista.

Não ganho nada com isso. A internet colocou o spotlight em um dos grandes tabus da humanidade: o de que o ser humano só colabora por reciprocidade direta: “eu ajudo você e você me ajuda”. A recompensa tinha que ser pessoal e imediata. A questão do imediatismo já havia sido resolvida muito antes do surgimento da internet, mas foi potencializado por ela. Segundo a teoria, o ser humano passou a aceitar o adiamento de recompensas quando desenvolveu a linguagem. A colaboração passa a ser feita por reciprocidade indireta: “eu ajudo você, você conta pra todo mundo, isso aumenta minha reputação, outras pessoas me julgam merecedor de ajuda e me ajudam”. Mas a internet introduz um novo mecanismo de colaboração: a seleção do grupo. Se isso lhe soou como darwinismo, é isso mesmo. Na rede somos, teoricamente, os 7 bilhões. Os problemas de uns são os problemas de todos. A ameaça à existência de uns, ameaça a existência de todos. É sutil, mas existe. O fenômeno crowd (crowdsourcing, crowdfunding, crowdlearnig, etc) é baseado nesse mecanismo. Pessoas se unem à outras, anonimamente ou não, e sem nenhum retorno material direto, para garantir a existência de certas instituições (biodiversidade, democracia e liberdade de expressão são alguns exemplos) que elas consideram vitais para a perpetuação da espécie. Isso ninguém previu e ninguém mais pode impedir.

Manda quem pode, obedece quem tem juízo. A Internet resgata, enfim, o conceito de poder. Poder é a capacidade que temos de realizar algo. Quanto mais grandiosa a realização, maior o poder. Durante muitos séculos, associamos a noção de poder ao detentor no capital financeiro ou ao "iluminado" que recebia um mandato para mandar, seja pela vontade divina ou pela vontade democrárica. Conectados, percebemos que somos capazes de identificar e resolver problemas de grande envergadura, como a questão ambiental, a violência, a falta de acesso à serviços básicos como a educação, saúde, mobilidade, entre outros. Percebemos que temos poder. Aplicativos de todos os tipos estão surgindo para conectar aqueles que têm recursos sobrando com os que necessitam desses recursos (vejam uber, airbnb, easytaxi, etc). E não estamos falando de doações nem assistencialismo e sim de modelos de negócio! O problema é nosso e nós podemos resolver. Estamos tomando juízo e aprendendo a mandar. 

Os fenômenos acima são apenas alguns exemplos de como a internet facilita e potencaliza atitudes humanas. Claro que as atitudes negativas também são facilitadas e potencializadas, mas tem se mostrado proporcional ao que ocorre fora da rede, portanto pode ser considerada, para essa argumentação, uma variável de valor zero.

O que importa é o reconhecimento de que, na sociedade dos 7 bilhões de humanos com internet, quase nada será impossível. Transformar a educação, acabar com a pobreza, com a fome, com a escassez de água, com a injustiça, com a corrupção, são coisas que ninguém ainda previu. Mas que também ninguém pode impedir.

Você pensou em utopia? Muito bem. É isso mesmo. No mesmo contexto, discutindo sobre as possibilidades da evolução tecnológica, Michel Serres, filósofo francês, disse em uma entrevista para um canal de TV brasileiro: Não há progresso sem utopia. A maioria das grandes descobertas ou a maioria dos progressos locais que fazemos vem, sem dúvida, do sonho de alguém que nos precedeu”.

A nossa sociedade convida a desempenhar um desses dois papéis: você pode realizar o sonho de quem lhe precedeu, ou comece a sonhar para as gerações que virão. 

E saiba que ninguém lhe impedirá se você quiser fazer as duas coisas.


Nenhum comentário:

Postar um comentário