sábado, 1 de outubro de 2016

O futuro é muito melhor do que você pensa

Como alavancar a inovação? Se você não garante ao inventor que no futuro ele vai recuperar tudo o que ele investiu na invenção, ele para de inventar. Quem em sã consciência investiria mundos de dinheiro para desenvolver uma droga para curar uma doença grave, por exemplo, se não tiver certeza de que o esforço será recompensado? Com essa visão surgiram as chamadas leis de patentes. A mais antiga lei de patentes surgiu no século XV na Itália. Tudo fez muito sentido nos 500 anos seguintes.

O primeiro efeito da lei foi transformar o caminho da epifania até o registro da patente em um processo de absoluto sigilo. Imagine se, depois de tanto esforço, alguém pega a minha ideia e a registra antes que eu faça? Ter a ideia roubada era a única consequência que se podia enxergar para um possível vazamento antes do devido registro. Não passava pela cabeça de nenhum inventor que a exposição do seu invento a outras pessoas podia agregar valor à ideia. Qual era a chance do sujeito que estava do meu lado ter informação, conhecimento, experiência, competência, interesse e tempo para contribuir com minha ideia genial? Zero. Quase zero. O segredo fazia sentido. Uma vez registrada a patente o inventor ficava traquilo por muitos anos para recuperar o investimento. Era uma montanha de dinheiro e a exclusividade por 20 anos fazia sentido.

Eis que surge a internet. Disponível a todos já há 25 anos, devidamente consolidada, acessível a quase metade da população mundial, 24 horas por dia, na palma da nossa mão, escancara uma nova visão a partir da qual não se admite mais determinados comportamentos. Reserva de patentes é um deles.

Recentemente ouvi um professor de economia afirmar que a quebra das patentes das drogas de combate a AIDS pode ter trazido benefícios de curto prazo à sociedade, mas comprometeu o bem-estar da próxima geração. Esse é um dilema bastante estudado em economia: agora ou depois? Consumo ou previdência? Investimento ou poupança?

O professor reconhecia o valor do maior acesso aos remédios no presente, mas queria que os alunos vissem que isso tinha um custo no futuro: a empresa que perdeu a patente vai parar de investir provocando uma desaceleração na inovação nessa área. Segundo ele, em 20 anos teríamos melhores drogas contra a AIDS ou até mesmo a cura da doença, mas isso agora será menos provável já que, sem garantia de retorno, as empresas param de investir. Em defesa do professor, o objetivo da aula não era julgar a decisão, mas mostrar o quanto é difícil escolher entre usufruir agora e adiar a recompensa, mas o que ele não está vendoQue a internet mudou tudo. Algumas pessoas dizem que ela é uma janela para o mundo. Outras preferem a metáfora das portas que nos oferecem novas saída. Eu gosto de dizer que a internet derrubou as paredes. Quem precisa de janelas e portas se não existem paredes?

A geração futura terá drogas muito melhores ou até a cura para muitas doenças que hoje são incuráveis, justamente porque houve a quebra das patentes. Sem paredes, mais pessoas poderão contribuir com soluções. Sem paredes, os erros são apontados mais cedo e correções de rumo são feitas antes que seja tarde demais. É importante dizer que o sem-paredes da internet não é meia dúzia de vizinhos espiando, com poucas chances de contribuir e muitas chances de roubar o que está "pronto". O sem-paredes da internet são 7 bilhões de pessoas, com 7 bilhões de diferentes visões, 7 bilhões de micro contribuições, que agem por 7 bilhões de diferentes motivos. (a famosa sociedade dos 7 bilhões!). Já imaginou o quanto exponencial esse fenômeno pode ser?

Enquanto você faz as contas eu conto uma história: nos últimos anos a indústria farmacêutica tem sido pressionada a abrir os dados dos testes de drogas. Sim, abrir os dados. Compartilhar livremente os dados preliminares encontrados nos testes de novas drogas. De onde vem a pressão? Do governo, que tem o complexo problema da saúde pública para resolver? Da esquerda, que detesta o fato de grandes empresas terem grandes lucros? Dos defensores dos direitos humanos que acham desumano não ampliar o acesso a remédios importantes? Da sociedade que teme sofrer as consequências do gargalo da inovação e produção fechada? Bem, todos eles certamente exercem parte da pressão sem causar nenhuma estranheza a quem ainda vê o mundo com o paradigma pré internet. 

No entanto, a pressão que realmente fará diferença no compartilhamento de dados de clinical trials afronta o senso comum desse paradigma: a pressão vem dos acionistas da indústria farmacêutica... Como assim? Acionista não quer lucro? Sim. O lucro só não é garantido se a patente estiver garantida? Pois é... Não é mais bem assim... Antes de investir os acionistas agora querem ter a certeza de que a ideia não será refutada assim que sair à luz do dia e ser exposta aos 7 bilhões de olhares. 

Para entender melhor essa história, sugiro a leitura de uma pequena matéria intitulada “Clinical trials: Failure to publish the results of all clinical trials is skewing medical science”, publicada na revista The Economist em julho de 2015. (tradução livre: Testes clínicos: a não publicação dos resultados de todos os ensaios clínicos está distorcendo a ciência médica). Para quem não quiser ler, guarde apenas essa mensagem: compartilhar dados e inovar com processos abertos é hoje a única maneira de garantir sucesso e retorno aos investimentos. Qualquer coisa diferente disso é falta de visão que o século XXI, empoderado pela internet, não perdoará.

Fez as contas? A internet pode exponencializar realizações porque permite micro ajustes em tempo real, feito por milhares ou milhões de pessoas ao mesmo tempo. Não há a necessidade de uma única pessoa/empresa se debruçar exaustivamente sobre um problema e encontrar sozinha a melhor solução. Assim demora mais, comete-se mais erros, perde-se mais oportunidades e tudo isso torna o processo extremamente oneroso. Para que a internet possa transformar essa possibilidade em realidade os dados precisam estar abertos e os acordos sociais precisam contemplar esse novo modelo de produção de conhecimento. Lei de patentes não garantem mais inovação, muito menos retorno sobre elas. Precisamos de um novo acordo social.

Então se você me perguntar: o que o governo deve fazer para incentivar a inovação? Simplesmente ampliar o acesso e a qualidade da internet. Só. Uma pequena (muito pequena) parte da sociedade já entendeu o que é preciso fazer. Mas quando se trata de um fenômeno exponencial, 1% de conversão é 99% de caminho andado. (Sobre isso leia Ray Kurzwel).

Talvez esse seja um aspecto da abundância que Peter Diamandis vem falando há anos, para quem quiser ouvir: o futuro é muito melhor do que você pensa!


3 comentários:

  1. Olá Luciana!

    Uma correção: Não existe quebra de patentes. È uma expressão indevidamente usada. A lei de patentes permite Licença Compulsória, se houver um conjunto de condições para isso. Um deles é em situação de interesse público, como o único caso que aconteceu no Brasil. Foi um medicamento apenas contra Aids, Efavirenz.

    Penso que ainda é cedo para afirmar que o sistema de patentes impede a inovação. Na verdade, a experiência internacional mostra que o sistema incentiva a inovação e a maneira mais democrática de uma pequena empresa ou mesmo um inventor independente fazer negócios a partir de um invento. Porém, há sim discrepâncias e injustiças quando grandes empresas claramente tem mais recursos para jogar o jogo das patentes.

    Lucas Coelho
    www.nextainnovation.com

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  2. Muito interessante essa questão das patentes.

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